4.7.19

O livreiro aprendiz - Entrevista dada a AEL pelo nosso livreiro Marcos


*Entrevista feita pela AEL Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro.
Conteúdo original do site www.aelrj.org.br


Marcos Vinicio Cunha trocou a fotografia por uma livraria. Depois de 12 anos no novo ofício diz ainda estar aprendendo mas inova com atividades diferenciadas no Buriti, sebo especializado em livros de  fotografia e poesia.
Durante décadas ele  foi repórter fotográfico e até deu aulas sobre a profissão em universidades. A livraria era o plano B para uma vida tranquila quando estivesse com mais idade.
Mas hoje, aos 70 anos  e  há 12 como livreiro  vê que  a nova atividade exige muita energia, gera estresse, principalmente nos difíceis tempos atuais e pode provocar dor na coluna; “ carregar livros não é leve” descobriu.
Como um livreiro moderno, ele  no entanto, mais que vender livros faz da sua livraria uma ponte com a comunidade; promove lançamentos, clubes de leitura, exposições de fotografia e já ofereceu serviços de encadernação e recuperação de livros.
O Buriti Sebo Literário funciona em duas salas  no nono andar de um edifício no Centro, onde durante anos Marcos manteve o laboratório de revelação fotográfica. O acervo tem em torno de 11 mil livros, mas há o depósito, no subúrbio de Juscelino com quantidade similar onde escolhe o que vai expor na livraria.
O Buriti usa muito a consignação, como  fazem as lojas de novos, o que não é muito comum entre os sebos. Ao invés de comprar o acervo, combina um preço para cada livro com o cliente e faz o acerto aos poucos. “Às vezes você vai pagar três mil reais em um acervo mas, se o cliente não tem pressa, em dois anos vende pelo dobro” calcula.
Marcos fez um curso de livreiro e outro de gerenciamento de livraria e acredita que o sucesso de um sebo  depende metade da qualidade do acervo e metade do bom atendimento. Para ele a livraria é um lugar de constante aprendizado; aprende com o cliente e através dos livros desconhecidos que chegam.
Fotografia e poesia, as duas especialidades do Buriti têm em comum a peculiaridade do olhar para a realidade, mas ele prefere não se aprofundar em comparações filosóficas entre as duas. No entanto, sobre a fotografia analógica e a  fotografia digital tem opiniões claras:
‘No digital a qualidade do preto e branco é muito inferior; não tem preto e nem branco, é cinza claro e cinza escuro. Mas na fotografia em cores o digital é bem superior; impressionante. Você trabalha com qualquer luz e tem bons resultados”, compara.
Carioca da gema, nascido na Glória e criado em Copacabana ele tem um grande amor pelo Rio de Janeiro e inclui até São Cristovão entre seus bairros preferidos; “super simpático, gosto do jeito antigo, apesar de muito  abandonado”. Também gosta do Centro, Urca  e Copacabana apesar de achar que ela não  é mais  a mesma de quando ali foi criado.

Por que o nome Buriti?
Tem a ver com o meu pai, uma pessoa que incorporou prédios no Rio de Janeiro nos anos 40 e 50 e batizava todos com nomes da terra brasileira; Mandacaru, Borborema, Camaratuba. Algo do tipo nacionalista. Mas na época isso não me passou pela cabeça. Estava andando no Jardim Botânico e não sabia  que nome  dar à  livraria. Ao passar pela aleia  com os buritis tive um impacto. “Vai se chamar Buriti”. O Buriti está em boa parte da América do Sul; tem em  Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí e Minas Gerais. Tem o buriti de João Guimarães Rosa, árvore símbolo do sertão mineiro e do cerrado.
Você é fã do Guimarães Rosa?
Não sou um grande leitor dele; li pouco e me sinto em débito. O pouco que li achei maravilhoso, mas o Grande Sertão está como dever de casa; iniciei algumas vezes e não retomei. Mas ele não  influenciou no nome da livraria. Foi algo mais pessoal e menos literário. Tem mais a ver comigo, com minha história e não com a literatura. Sou um leitor mediano. Ultimamente leio muita história; geral, do Brasil; e literatura e poesia. Se há uma autora que tenho uma grande ligação é a Cecília Meireles. É impressionante; se pegarmos qualquer coisa dela, vamos para  um outro lugar. Vira e mexe leio as poesias dela. Mas vou sempre descobrindo; chegam livros que não tinha ideia que existiam. Aqui na livraria descobri Stephan Zweig; estou encantado. Pretendo ir na casa que ele tinha em Petrópolis. Tem também os mais antigos que eu adorava; Machado de Assis, Jorge Amado, Lima Barreto. Mas atualmente os meus faróis são a Cecília Meireles e o Mário de Andrade. Entre os novos tem um poeta muito bom que descobri; o Eduardo Mondolfo. É arquiteto e escreveu Preces Cariocas que saiu pela 7 Letras. O livro é maravilhoso, dos anos 90. Temos um grupo de leitura na livraria na última quinta feira do mês e trouxe alguma coisa dele para ler.
O que acha de ser livreiro no Centro, região com mais livrarias no Brasil?
Gosto de vir para o Centro. Meu primeiro emprego foi no Banco de Minas, na rua Buenos Aires no fim dos anos 60. Sempre achei o Centro o coração do Rio. O Roteiro das Livrarias do Centro Histórico do Rio, editado pela AEL, é genial, porque mostra essa riqueza. Não estamos mais vivendo o auge das livrarias mas gosto de trabalhar aqui. O Rio de Janeiro começou aqui e preservamos um pouco da nossa história. Acho o VLT um luxo. Eu era meio xiita em relação ao Eduardo Paes mas revi minha opinião. Acho que foi um prefeito com amor ao Rio O VLT contribui para mostrar uma parte da cidade que pouca gente conhece; é um trem confortável, com ar condicionado, que está sempre cheio.  Houve outras iniciativas positivas como o Museu de Arte do Rio, o Aquário, o Museu do Amanhã, a Alameda Olímpica que contorna a praia; trazem pessoas para o Centro. O  Rio passou por um processo de revitalização com o Paes.
E o que pensa sobre o atual momento político?
É mais uma tentativa de fazer  o Brasil entrar no século XXI. Não tenho a visão de que vivemos um momento histórico fascista. Vi a sessão do Senado em que elegeram o David Alcolumbre . Não parece uma pessoa muito diferente do Renan Calheiros, mas é trinta anos mais jovem; foi eleito dentro de um movimento anti-Renan. Vi no Senado falas de políticos que estão trazendo uma renovação real que espero se concretize. Quando 50 senadores votam pelo voto aberto, não é autoritarismo, não é fascismo. São representantes da sociedade brasileira que querem que nossa política evolua. Recentemente o Ministro da Saúde esteve na Fiocruz e houve um diálogo positivo; ele é favorável ao SUS e tem posições bastante pragmáticas em relação à saúde pública. Por outro lado temos o Ministro das Relações Exteriores que é uma pessoa totalmente destemperada.Não tem o perfil de diplomata. Não vou botar tudo no mesmo saco. Mas não vejo um momento totalitário no país; não temos Emílio Garrastazu Médici na presidência. Não votaria no Bolsonaro; estava em Portugal e escapei dessa. No primeiro turno votei na Marina Silva e votaria nulo no segundo turno. Mas quero que as coisas melhorem, temos milhões de desempregados. Vimos o que está acontecendo com as livrarias Cultura e Saraiva. Podemos criticar  a gestão, a política em relação ao livro, mas estamos vivendo uma crise econômica séria como nunca vivemos.
Como era o panorama quando inaugurou a Buriti?
As livrarias estavam indo bem. Mas lá no Jardim Botânico eu estava trocando seis por meia dúzia. No entanto, fiz uma clientela, conheci escritores. Do ponto de vista do meu crescimento como aprendiz de livreiro foi bom. Porque apesar de 10 anos trabalhando com o livro me considero um aprendiz, trabalhei muito pela internet e é diferente de ter uma loja de rua. Eu me mudei para cá porque estava ficando cansado. Tinha livros aqui e me dividia entre os dois endereços. Era como o João Saldanha dizia sobre o macaquinho namorar a girafa; sobe o pescoço, desce o pescoço. Estava nessa de ir prá lá e prá cá e, chegando aos 60, comecei a me sentir cansado, muito sacrifício. Depois que me mudei para o Centro passei a ter mais movimento. Muitos sebos estão indo para salas. Vim para cá porque era meu estúdio, não pago aluguel e dá para ir tocando o bonde. Se bem que agora o IPTU está nas alturas, o Crivellla enlouqueceu.
Como se relaciona com os colegas livreiros da região?
Alguns já eram amigos antes de eu entrar para a profissão. Mas frequento as livrarias do Centro menos do que gostaria. Vou à Folha Seca, do Rodrigo, à Leonardo da Vinci, que vendeu os calendários editados pela Buriti, e vira e mexe vou na Travessa comprar. Uma coisa  aprendi com o Jorge Viveiros, da Editora 7 Letras, que quando ia saindo da Buriti no Jardim Botânico  disse:"Não posso entrar em uma livraria e deixar de comprar um livro”. Sempre consigo manter a promessa de comprar um livro quando entro em uma. Quando viajo também visito as livrarias; estive em Portugal no final do ano, tentei fazer contatos com os livreiros do Porto. Inclusive enviei a três deles o Guia de Livrarias da Cidade do Rio de Janeiro, editado pela AEL. Um retornou agradecendo e temos trocado e-mails. É bom ter em mente a profunda ligação entre Portugal e Brasil. Eu frequentava a Livraria Camões do sr. Estrela que me fez uma dedicatória em um livro de poesias escrito por ele;uma figura muito querida. Tenho uma edição portuguesa do Mil e uma noites, de 56, linda,ilustrada,  em seis volumes que comprei com ele e foi um acontecimento, porque não era barata. Hoje seria algo em torno de mil reais.Li As mil e uma noites mas não li O Grande Sertão Veredas; um problema.
Você frequentou a Livraria Cultura fechada recentemente no Centro?
Pouquíssimo. Falei bem dela o tempo inteiro para todas as pessoas, mas sabia que não era uma boa ideia porque, a partir dos anos 80, aquele lugar foi desconstruído. Era tradicional nos anos 50 e 60, com os cinemas, muito movimento, mas esvaziou e se tornou região de travestis e prostitutas. Nos anos 90 entrou em profunda decadência e não voltou a ser o que era. Eles fizeram um investimento cavalar ali. Chegaram com tudo; foi demais. Poderiam ter partido para uma boa livraria na Avenida Rio Branco com uns 150 metros e um bom café. Não teria fechado. A Livraria Cultura é uma instituição, um patrimônio da cultura brasileira, de São Paulo. Tem de haver compreensão com relação a isso. O Brasil faliu, o estado do Rio faliu, a prefeitura faliu e a Livraria Cultura também faliu. Só que ela não tem a mim ou a você que pagamos muito mais impostos do que deveríamos para sustentar esses caras que ganham 250 mil. A Cultura comprou a Estante Virtual e torço para que sobrevivam porque a Estante é um grande polinizador de cultura no Brasil. Acabei de vender para o interior de Goiás e vou mandar três volumes de arte para Brusque, Santa Catarina. A Estante Virtual foi uma iniciativa carioca, do André Garcia. Digo isso só para levantar um pouco a bola do Rio, coitado.
E quais livrarias foram importantes para você?
A São José me atraia em tudo. Achava o máximo aquelas coleções da Editora Aguilar, hoje raríssimas, com todos os clássicos; Machado de Assis, José de Alencar. Aquilo me encantava; o papel Bíblia, o perfume dos livros. Quando a Buriti veio para o Centro a São José ainda estava na Primeiro de Março. A Kosmos que descobri depois, mais velho, quando me interessei pela história do Brasil; quando descobri o Sergio Buarque de Hollanda, nos anos 70. Fiquei fascinado com A visão do paraíso, um livro que me marcou, mais que o Raízes do Brasil. Esses livros me levaram a ter interesse na brasiliana e a brasiliana da Livraria Kosmos era uma coisa. Tinha o Walter, responsável pela seção, que me deu dicas fantásticas. Tinha a dona Margarete, uma sumidade. Eu não tinha coragem de conversar com ela.Perguntava quanto é, e saia com o rabo entre as pernas.Me sentia intimidado. Nos anos 70 ,também ia muito na Leonardo da Vinci. Ali, sempre achei dona Vanna uma pessoa com bom humor, apesar de peremptória. Todas as vezes em que tive  necessidades, premências culturais, ela me atendeu com a maior solicitude. Me lembro que queria ler o Lautreaumont, Les chants de Maldoror e ela sentiu a importância daquele momento para aquele jovem e foi muito solícita. Acho que dona Margarete, Dona Vanna e o sr. Carlos da São José foram os grandes livreiros dos anos 70 no Rio. O pessoal vinha de São Paulo para conversar com dona Margarete e ela naquela modéstia. Sou fã das duas. Hoje a livraria com que mais me identifico é a Timbre. Eu me identifico com o tamanho, a seleção do acervo, aquele jeitinho dela. É muito boa. Gosto da Argumento, no Leblon. Também ia muito na Luzes da Cidade, do Chico e da Graça, em Botafogo que recentemente fechou e virou Blooks, o que é bom porque continua sendo uma livraria.
Com os outros sebistas, como é o relacionamento?
É uma boa relação. Compro livros com eles, para mim e para revenda. Apesar de ir pouco ultimamente gosto muito da Academia do Saber, onde há três gerações de livreiros e tenho o maior respeito por eles. Quando comecei no ramo ia fazer avaliação de bibliotecas e, iniciante, perguntava se elas já tinham tido alguma oferta e ouvia “ A Academia do Saber me ofereceu 300 reais”. E aquilo me balizava um pouco. Nós que trabalhamos com livros usados vivemos uma situação complicada porque o prazo de venda do livro é longo. Tem livro que vendi recentemente que estava há dez anos comigo. Para pagar à vista um preço você tem de levar em consideração que o giro é muito lento.
Porque a Buriti entrou no ramo de restauração de  livros?
Logo no início, quando comecei a trabalhar com livros, tive a ilusão de que iria ter tempo para me sentar e fazer consertos e encadernações.Era totalmente ingênuo. E fiz um curso de encadernação onde aprendi rudimentos para fazer consertos. Mas nunca cheguei a me tornar um encadernador. Depois investi na Flavia para fazer esses trabalhos. Ela cuida da contabilidade da livraria; que pode ser feita em uma manhã, entre dois cafés, e gostava do trabalho de encadernação. Mas agora não fazemos mais e repasso.para um encadernador. Houve procura e fizemos trabalhos de encadernação durante três anos. Mas depois a Flavia ficou com pouca disponibilidade e teria de ser feito um reinvestimento em outra pessoa. Eu já estava engajado em outras coisas na livraria e desisti desse serviço. Ano retrasado entrei em uma concorrência para encadernação junto com um pessoal da UFF, com quem tenho contato, mas infelizmente não ganhamos. Seria para um escritório de advocacia com um trabalho grande de encadernação.
E as outras atividades como edição de livros e calendários?
Tenho interesse por árvores. Meu pai e minha mãe também tinham; ela dizia que a coisa que mais detestava era ver derrubarem árvores. O primeiro trabalho de edição da Buriti foi a Bibliografia Florestal Brasileira, organizado pelo Alceu Magnanini e Adelmar Faria. Na verdade não é uma nova edição, mas uma primeira reimpressão que respeita totalmente o original, de 64. Fizemos uma edição sob demanda com capa nova. Vamos editar outro, também do Alceu Magnanini e tentar fazer o lançamento aqui com ele, que está com 92 anos e é uma referência no meio ambiente, engenheiro agrônomo super-reconhecido. Já os calendários, fizemos três edições. O primeiro teve resultado mais de divulgação e de prestigiar o fotógrafo Roosevelt Nina, que também havia feito uma exposição na Leonardo da Vinci em 2014. Depois teve o segundo calendário com vários fotógrafos; eu inclusive entrei com duas fotos. Esse teve um resultado melhor. Os dois foram em preto e branco porque tem a ver com a minha história. Fiz ainda um terceiro calendário com  desenhos da Marcia Pires Ferreira, que também teve um resultado razoável. Este ano não deu para fazer mas vamos ver se retomo em 2020.
E a livraria como local de exposições?
Essa é a primeira, numa parceria com a Marcia Costa do curso Grande Angular, ela é professora e dá aulas de fotografia também na Estácio e na Pinheiro Guimarães. Fiquei feliz com a parceria e a exposição vai até 28 de fevereiro. São fotos dos alunos dela em um passeio pelo Centro do Rio de Janeiro: Do Mosteiro à Praça Tiradentes. Tem a ver com o fato de o Buriti estar no Centro; tem a ver com o Roteiro das Livrarias do Centro Histórico do Rio Antigo, lançado pela AEL. O objetivo é tratar o Centro do Rio de Janeiro com carinho. Fiquei feliz porque tinha terminado de fazer a iluminação da sala e ela me procurou, casando a fome com vontade de comer. Já temos mais quatro exposições programadas; a próxima é um trabalho da Marcia sobre o tema fé. Depois vai ter uma mostra do Antonio Batalha, que foi fotógrafo do Jornal do Brasil e continua no ofício. Ainda não tem nome, mas é um trabalho autoral. Vai ter uma mostra só sobre portas do Rio de Janeiro, do Dário, que é designer de formação. Vai ser bem interessante; você conhece a história do Rio de Janeiro fotografando as portas só em Santa Teresa. E eu vou fazer um trabalho com o Luis Antonio Bandeira, que tem formação em sociologia, mas também é ligado em história, sobre as escolas frutos dos recursos de uma homenagem a Don Pedro II. Ele iria ser homenageado mas declinou e pediu que os recursos fossem usados em escolas; “ Construam histórias, construam escolas”, disse.  Foram construídas nove escolas com esses recursos. Eu vou fotografá-las e o Luis Antonio Bandeira vai escrever sobre elas.Será uma reportagem.
Você já expôs antes?
Fiz individual e coletivas. Nos anos 80  realizei um trabalho grande sobre o cemitério São João Batista,  que teve boa repercussão, apesar de então o tema ter sido considerado um pouco mórbido por alguns. Mas as pessoas entenderam que eu estava mais interessado no valor escultórico que  existe ali. Essa foi na Casa de Rui Barbosa. Lá eles tinham um trabalho bem interessante sobre a memória de Botafogo um bairro que eu também adoro. Sou fã do Rio de Janeiro. Fico triste de vê-lo tão pouco acarinhado.Todo mundo quer se dar bem; dois governadores na cadeia dá a dimensão do inferno astral em  que o Rio, imerecidamente, mergulhou. Mas é o preço da irreverência. São verdadeiros paxás, milhares de paxás espalhados pela cidade.
Como foi o seu ingresso na fotografia?
Me formei em direito, tentei exercer a profissão mas não deu certo. Logo no início da faculdade comecei a trabalhar com fotografia, amadoristicamente. Por volta de 1973 comecei a me profissionalizar. Fiz curso no SENAC e  uma prova para um curso de fotografia da  Bloch, super-concorrido. Eram 900 candidatos para um curso com 30 vagas de onde sairiam 10 que seriam contratados e fui um deles.  A fotografia é uma profissão de altos e baixos, às vezes muito trabalho, outras pouco; vacas gordas e magras. Mas a minha principal atividade até os cinquenta e poucos anos foi a fotografia. Trabalhei na Bloch, na Folha de São Paulo, no Estado de São Paulo, na Tribuna da Imprensa. Fiz muito freela para editoras; fotografia de autores, reprodução de obras de arte.
Foi seu primeiro contato com o mercado do livro?
Não. Quando era rapaz, aos vinte e poucos anos, havia duas editoras no Rio: a Bruguera e a Sedibra  que faziam livros de bolso com histórias eróticas, de bang-bang, policiais. E eu era um dos que assinavam algumas dessas histórias como Maria Estephania, Bernie Bop; era um paper back writer. Era gostoso, apesar de pagarem relativamente mal.  Mas foi um complemento; um dinheiro a mais, numa época em que já estava com a fotografia. O primeiro trabalho que fiz para a Bloch foi, na verdade, uma matéria, como repórter, antes do curso de fotografia. Saiu na revista Ele e Ela e ficou boa. Mas eu já tinha o laboratório fotográfico aqui, nessa pequena livraria. Desde garoto, fazia meus garatujos. Escrevia coisas para botar para fora, por necessidade, como todo mundo que escreve; materializar através da escrita aquilo que está vivendo. A pessoa se organiza internamente. Pode às vezes, ser angustiante, mas é uma coisa agregadora. A própria fotografia tem essa função agregadora. O Cortazar faz um elogio do fotografar como forma de expressão; ao observar, recortar ela te ajuda a organizar o pensamento. Você guarda o que lhe interessa; cria uma relação com o mundo que o faz comungar com aquele mundo. Fala isso no livro Prosa do Observatório onde há inclusive um ensaio fotográfico feito por ele.
Quando decidiu mudar de ofício e ser livreiro?
Ter uma livraria sempre foi um plano B para quando estivesse mais velho. Comecei a vender livros na Feira dos Fotógrafos nos jardins do  Museu da República que acontece no último domingo do mês há 20 anos. Eu era da Associação de Repórteres Fotográficos, que tem relação com a Feira e montei uma barraca com os livros do meu acervo sobre fotografia. Não havia concorrentes. Depois descobri a Estante Virtual onde também coloquei uns livros. Já  tinha uma pequena livraria no estúdio fotográfico mas vendia mais na Feira. Mas a ficha caiu mesmo quando aos 55 anos decidi fazer um curso para me reciclar na fotografia. Foi uma pós-graduação na Cândido Mendes com o Milton Guran, que hoje organiza a  mostra Foto Rio. Na sala só havia garotada e todos me chamavam de senhor; a fotografia havia ido para o digital e  eu tinha investido no analógico. Decidi então  abrir a Buriti no Jardim Botânico.
Qual a relação entre poesia e fotografia, as duas especialidades da Buriti?
Não penso muito nisso, mas há o traço de união entre elas nesse aspecto de comunicar intensamente. Já escrevi sobre fotografia durante uma época, para o jornal da Associação de Repórteres Fotográficos. Também publiquei uma resenha sobre o livro de um fotógrafo no caderno de Ideias, do Jornal do Brasil; Mas não tenho essa questão entre  poesia e fotografia. Para mim está tudo junto; são amigas. A poesia tem milhares de anos, aquela bagagem, uma odisseia. No entanto, o homem começou a se expressar através da imagem, nas cavernas. A poesia surge depois do desenho. Mas o que aprendi com o Walter Benjamin é que o ponto de virada é a reprodução; a era da reprodutibilidade. Uma foto se multiplica por mil, cem mil. Ficou estabelecido um novo marco com a reprodutibilidade. Mas o importante é o sentimento, a procura interna; quem é você, para onde você vai. Você está prestando algum serviço para alguém; a história do “quem não vive para servir não serve para viver”.
São comuns  os autodidatas na fotografia, como há na poesia?
Quando comecei como fotógrafo,montei um pequeno laboratório e um amigo na rua em que morava em Copacabana  me ensinou os rudimentos da fotografia e da revelação. Foi mágico; tenho saudades daquilo, o quarto escuro. Tem esse pessoal que quer resgatar a fotografia analógica porque se aprende muito com ela. E isso responde um pouco a sua pergunta. Um dia, fiz um portfólio e levei para a DPZ, uma agência de propaganda em São Paulo. Era famosa -  Dualibi, Petit e Zaragoza. Fui fazer uma entrevista com o Petit, figura simpática, muito educado. Mostrei as fotos e ele disse algo que nunca esqueci." Um fotógrafo se mede pelos quilômetros de filmes rodados”. Uma maneira educada de dizer que eu ainda teria de fotografar muito. É como o Dali falou anos atrás; “tem de suar”. Quando dei aula de fotografia  na Estácio dizia aos alunos :“faça um projeto; tipo janelas do Rio de Janeiro, e fotografe janelas até não aguentar mais. Com isso vai desenvolver o seu olhar”. O João Cabral, grande poeta,  também falava isso. A Clarice Lispector disse que escrevia 10, 20 vezes; brincava que chegava ao ponto em que achava  ter voltado ao começo. Mas  não há regras. Há casos como o Machado de Assis, o gênio da raça, o Villa-Lobos, ou o Pelé. O talento nasce com a pessoas mas pode desenvolvê-lo. Eu me lembro nas entrevistas do Pelé  em que todos iam embora e ele continuava  a treinar sozinho, a chutar com a perna esquerda. Era superdotado e trabalhava muito. Acho que a livraria é boa por causa disso; você lê cada vez mais e  se vê cada vez mais ignorante.
Entre os fotógrafos qual o seu favorito?
Um grande fotógrafo que está no Rio de Janeiro e deve ser muito bem lembrado: o Antonio Augusto Fontes. Trabalhou muito em jornais e revistas; é um repórter fotográfico. Mas tem um trabalho pessoal muito interessante. Eu gostaria de escrever sobre o trabalho dele. Gostaria de caracterizá-lo como um cronista mas ele é mais que isso. Talvez seja um intérprete da cultura brasileira; faz isso através da fotografia. É paraibano e está com 71 anos. Tenho um projeto de trazê-lo aqui, fazer um calendário com fotos dele. É um cara importante da minha geração, ganhou prêmio Itaú, mas anda meio esquecido. Falar em fotografia poética é falar em Antonio Augusto Fontes. Eu também, se continuasse apenas como fotógrafo estaria esquecido; é uma profissão difícil. Tive de me reinventar: “ vou fazer algo para me reciclar”. A livraria para mim veio nesse sentido; para que eu continuasse a trabalhar, a participar.